quinta-feira, 29 de maio de 2008

Berkeley com Beckett

Acabo de rever "Filme", de Beckett, um tratado sobre o ver e o ser visto, ao menos aos meus olhos ora mobilizados pela pesquisa. O filme está disponível no YouTube em 3 partes (1, 2, 3). Abaixo, trechos de um pequeno texto de Deleuze sobre o filme ("O maior filme irlandês - Film, de Beckett), num diálogo com Berkeley:
"Problema: Se é verdade, como foi dito pelo bispo irlandês Berkeley, que ser é ser percebido (esse est percipi), seria possível escapar à percepção? Como tornar-se imperceptível?" (...) Condição do problema: é preciso que algo seja insuportável no fato de ser percebido...mas o quê?"

domingo, 25 de maio de 2008

Políticas e poéticas da vigilância


Imagem do vídeo Landscape Theory, de Roberto Bellini
Estou indo para Natal, onde participo do GT sobre Subjetividade Contemporânea na ANPEPP. Apresentarei o trabalho "Políticas e poéticas da vigilância", um primeiro esboço de um caminho que começo a explorar, onde persigo algumas pistas que me permitam diferenciar duas modalidades de vigilância presentes no exercício da atenção. Estou em busca de perspectivas, gestos, imagens, dispositivos que colocam em jogo todo um outro empenho atencional no qual a vigilância é deslocada de sua função de suspeita e controle para se exercer como abertura desperta ao inesperado.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Vigilância e atenção


Recentemente, tenho revisitado textos de psicologia para pesquisar a presença e o sentido da noção de vigilância na definição dos estados atencionais. Na psicologia cognitiva, o termo vigilância é muitas vezes usado como sinônimo de atenção sustentada, que implica esforços sucessivos para manter um objeto no foco da atenção por um tempo prolongado. Num texto sobre a história do termo vigilância na psicologia do século XX, descobri um detalhe curioso, digno de júbilo "viriliano". O primeiro sentido do termo vigilância foi proposto no campo da neurologia dos anos 1920 para designar o estado de ativação e receptividade próprio ao funcionamento geral do sistema nervoso central (Gómez-Iniguez et alli, 1999). No fim dos anos 1940, aqui reside o detalhe "viriliano", o termo vigilância foi retomado pelo neurólogo Mackworth (1948 apud Gómez-Iniguez, op. cit.) para resolver um problema prático com a atividade de observação exercida pelos controladores de radar aéreo na Segunda Guerra Mundial, vinculando a vigilância ao funcionamento da atenção sustentada.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Cartografias da vídeo-vigilância

Compartilho uma seleção, acompanhada de breve descrição, dos atuais projetos de mapeamento de câmeras de vigilância pelo mundo que se encontram disponibilizados na Internet. A seleção e as descrições foram realizadas pelos bolsistas Luisa Motta, Débora Petersen e Maicon Pereira, que participam deste projeto de pesquisa e estão realizando, sob minha orientação, um mapeamento das câmeras de vigilância em espaços públicos na cidade do Rio de Janeiro.

Observing Surveillance (Washington DC, EUA)
O Observing Surveillance Project foi desenvolvido após os atentados de 11 de setembro para documentar a presença de câmeras de vigilância em Washington DC. No ano de 2002, a equipe do “Electronic Privacy Information Center” (EPIC) assumiu a realização do projeto, que vem sendo elaborado em cooperação com o “Freedom of Information Act litigation”. Atendendo aos requerimentos deste, o EPIC, através do “Metropolitan Police Department” e do “Park Police”, determinou a abrangência das operações de vídeo vigilância em DC. O material pesquisado foi incorporado à exposição do Observing Surveillance. De acordo com os documentos obtidos pelo EPIC, nos últimos anos, o “Metropolitan Police Department” usou vídeo-vigilância de helicópteros para monitorar manifestações políticas em Washington DC.
O principal objetivo do Observing Surveillance é promover um debate público sobre a presença de câmeras de vigilância em Washington DC. Para fomentar tal discussão, o grupo passou a produzir cartões postais que mostram as câmeras de vigilância, sobretudo aquelas localizadas em frente ao FBI e ao departamento de justiça dos EUA. Através da montagem de várias fotos num mesmo cartão, o grupo Observing Surveillance busca mostrar as inúmeras câmeras de vigilância presentes em Washington. Além disso, o projeto modifica mapas turísticos, acrescentando neles a indicação da localização das câmeras de vídeo-vigilância, o que possibilita aos turistas decidirem se querem ou não visitar esses locais.
O Observing Surveillance também elabora documentários digitais, que misturam imagens de liberdade com cenas de vigilância e controle, tendo o fim de chamar a atenção para os impactos que as câmeras criam. As imagens de vigilância sugerem a construção de um panóptico em Washington DC. Como se pode ver, o Observing Surveillance tem como principal método comunicar idéias através de imagens, promovendo a observação dos próprios vigias, o que explica o nome do grupo.
O projeto recebe incentivo do programa Cultura, Mídia e Educação da Fundação Ford.


Constant VZM Map of Brussels surveillance cameras (Bruxelas, Bélgica)
Esse grupo existe desde 1997 e desenvolve um projeto de mapeamento das câmeras de vigilância da cidade de Bruxelas, através de fotos que enquadram não só as câmeras, mas também o contexto no qual estão inseridas. No site, elas são organizadas por regiões e ao clicarmos em cada foto podemos vê-la em maiores detalhes junto ao endereço de onde a câmera se situa. Muitas dessas fotografias datam de dezembro de 2000, sendo que outras foram acrescentadas em janeiro de 2001.
O ponto de partida dessa pesquisa foi a “Opéra Royal de La Monnaie”. Na sua lateral há uma escultura da qual desce um tubo de plástico com um cabo que alimenta uma câmera de vigilância. A partir desse ponto, o grupo “Constant VZM” começou sua caminhada em busca das câmeras e após uma hora foram registradas um pouco menos de cem.
O site do grupo apresenta um texto que busca refletir sobre a proliferação da vídeo-vigilância e suas implicações na atualidade. Ao final, conclui-se que a presença massiva de câmeras é um sintoma de uma sociedade cujo imperativo é mais o controle do que a solidariedade. Além disso, questiona-se o fato de assuntos éticos serem solucionados pela tecnologia em detrimento do debate democrático. Propõe-se então que organismos como os comitês, associações e universidades subvertam a situação vigente, propondo caminhos alternativos.


CCTV Berlin (Berlim, Alemanha)
Esse grupo tira fotos das câmeras de vigilância de Berlim e as organizando por regiões. O grupo fez um mapa de uma das principais praças da cidade, a Potsdamer Platz. A economia dessa descrição justifica-se pela impossibilidade de compreender o site, integralmente escrito em alemão ;-)

NYC Surveillance Camera Project (Nova Iorque, EUA)
Este projeto começou com grupos de voluntários do New York Civil Liberties Union (NYCLU)* procurando todas as câmeras públicas ou privadas que filmam as pessoas nos espaços públicos. Em uma coletiva de imprensa realizada pelo grupo em 13 de dezembro de 1998, foi divulgado o projeto que mapeava as câmeras de vigilância em espaços públicos de Manhattan (NYC Surveillance Camera Project). A causa defendida pelo NYCLU visa a liberdade e o direito de anonimato dos nova-iorquinos nesses espaços vigiados. Através de seu discurso contra vigilância, visam conscientizar a população sobre a proliferação das câmeras de vigilância e a sua conseqüente invasão de privacidade.
Esse grupo mapeou todas as câmeras de Manhattan, tanto públicas quanto privadas, que filmam as pessoas no espaço público. A partir disso, os voluntários do grupo produziram um mapa com as 2397 câmeras de Manhattan. Nesse mapa consta o número, a localização e os tipos de câmeras usadas. Além disso, o NYC Surveillance Camera Project reivindica a regulamentação do uso das câmeras de vigilância.
O mapa de Nova Iorque elaborado por este grupo é dividido em “Community districts”, nos quais indica-se o número de câmeras e os tipos (“stationary”, “rotational”, “globe”). Ao lado do mapa há uma legenda maior com as seguintes indicações: “private cameras”, public câmeras”, “Community district boarders”, “places of interest”e “parks”.
*O grupo existe desde 1951 por ativistas que defendiam a liberdade e os direitos civis em Nova Iorque.

Surveillance camera players (Nova Iorque, EUA)
O grupo Surveillance Camera Players originou-se na cidade de Nova Iorque, em novembro de 1996. O grupo realiza performances contra-vigilância e exibem cartazes diante das câmeras com frases como: “YOU ARE WATCHING ME”, “ALL DAY...EVERYWHERE I GO”, “WHO AM I?
WHAT´S MY NAME”, “I WANT GOD TO SEE ME”. Além disso, o gripo realizou um mapeamento das câmeras de vigilância de Nova Iorque e de outras cidades, enfatizando sempre no seu website que a apresentação dos mapas tem fins unicamente educacionais e informacionais.
Para disponibilizar o mapeamento no site, em cada link apresenta-se um mapa referente a uma determinada região de Nova Iorque, no qual são discriminados os tipos de câmeras, como: “elevated camera”, “TV câmera”, “city-owned camera”, “webcam”, “privately owned camera”, etc. Além disso, há informações sobre datas distintas, o que nos possibilita observar o crescimento do número de câmeras de vigilância ao longo do tempo. O primeiro mapa realizado pelo grupo foi, aparentemente, em maio de 2000 no Times Square, Manhattan.



Institute for Applied Autonomy (i-See) (Nova Iorque, EUA)
O “ Institute for Applied Autonomy” foi criado em 1998 como uma organização para pesquisa em desenvolvimento tecnológico dedicada à “autodeterminação” individual e coletiva. A organização tem como missão estudar as forças e estruturas que afetam a autodeterminação, fornecendo tecnologias que ampliam a autonomia de ativistas. Ao mapear as câmeras de CCTV no meio urbano, o i-See demarca rotas nas quais as pessoas não estariam sob a vigilância das câmeras, proporcionando linhas de fuga para os transeuntes na cidade. O mapa de Manhattan (Nova Iorque) elaborado por esse grupo foi feito junto com o “Surveillance Camera Players”, o “Surveillance Camera Project” e o “Eyebeam Atelier Workshop”. No mapa, retrata-se, ainda, o crescimento da vigilância nos espaços públicos entre 1998 e 2002.


quinta-feira, 15 de maio de 2008

Passaporte biométrico


A partir de 2009, a França deve tornar obrigatório o uso de passaporte biométrico. Matéria do Ecrans aponta que a expansão da biometria segue passos semelhantes aos da vídeo-vigilância: a perturbação e inquietação iniciais com tal sistema de controle começam a ceder lugar a sua banalização e aceitação como prática corriqueira de segurança. ver também matéria no Figaro.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Fake surveillance


Seguindo a trilha de artistas e ativistas que se apropriam de imagens de vídeo-vigilância em seus trabalhos, o grupo de rock indie britânico The Get Out Clause lança um clip no YouTube proclamando que as imagens do video foram capturadas por câmeras de CFTV na cidade de Manchester. O grupo teria tocado em frente as câmeras e depois solicitado as imagens às instâncias de direito (conforme prevê a lei de regulamentação das imagens de CFTV no Reino Unido). No entanto, lamentável, o grupo foi desmentido e sua suposta inventividade contestadora tornou-se um pobre golpe de marketing. Boa parte das imagens do clip tem apenas uma aparência de vídeo-vigilância, mas não são efetivamente capturadas pelos circuitos de CFTV de Manchester. Muito mais interessante seria não declarar a natureza das imagens do clip e deixar ambíguo o seu estatuto, o que, aí sim, poderia ter uma força estética, política e mesmo comercial. Pois o episódio, pela contra-mão, nos põe a pensar no estatuto e no efeito das imagens de videovigilância, as quais, como se sabe, gozam de um poder de evidência e "prova" que nenhuma outra imagem contemporânea reivindica. O exemplo mais patente disso é a aceitação, por parte da justiça em diversos países, dos registros de CFTV como prova (o que há muito não acontece com a fotografia nem o vídeo). Este episódio, sem querer, nos mostra como não há realidade nem verdade (no sentido clássico de adequação representação-coisa) que resista a uma imagem. Mostra, ainda, como o efeito de verdade pretendido pelas imagens de CFTV circulam tanto nos imaginários policial e jornalístico (hoje cada vez mais próximos, ao menos no Brasil) quanto no imaginário artístico, contestatório e comercial. No caso do grupo de rock, as imagens estão a serviço não tanto de uma prova de realidade, mas de um efeito de contra-vigilância e autenticidade roqueira. Poderia ser bom se não se pretendesse verdadeiro. É preciso revisitar as potências do falso sem cair no vão oco do niilismo. A matéria vem do Écrans, via Carnet.

sábado, 10 de maio de 2008

"There's no fear of CCTV"


"Police officers monitor CCTV screens in the control room at New Scotland Yard in London.
Photograph: Kirsty Wigglesworth/AFP/Getty images"

"There's no fear of CCTV", lamenta o inspetor encarregado da unidade de polícia metropolitana de Londres. Estudos recentes mostram resultados desprezíveis do investimento massivo em sistemas de CFTV (circuito fechado de tv) no combate ao crime. Conforme matéria do The Guardian, apenas 3% dos roubos de rua foram solucionados a partir do uso de imagens de vídeo-vigilância. A recursividade da lógica policial supõe, contudo, que a sua ineficácia deve-se sempre à escassez de recursos ou ao mau uso dos recursos disponíveis. Noutras palavras, segundo esta lógica, se a vigilância policial falha é porque não há vigilância policial suficiente e/ou inteligente. A pouca evidência de que o uso massivo da videovigilância em espaços públicos previne o crime torna evidente, ainda segundo essa lógica, que é preciso mais videovigilância. As soluções propostas demonstram isso e demandam investimento na elaboração de bancos de dados de imagens e de sistemas de identificação acoplados aos aparatos de CFTV, conforme se pode ver na matéria indicada.

Vídeo-vigilância no Rio: números


Visitei essa semana a Central de Comando e Controle da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro. Fui muito bem recebida e fiquei surpresa com o alcance e a dimensão do sistema de vídeo-vigilância, que revela a sua expansão recente no âmbito estatal. Os números: até 2005 havia em torno de 20 câmeras em vias públicas instaladas apenas na Zona Sul (Copacabana, Leme, Leblon, Ipanema). Hoje, há 220 câmeras na região metropolitana do Rio, sendo 170 na capital e as demais divididas entre a Baixada Fluminense, São Gonçalo e Niterói. A previsão é que em junho desse ano este número suba para 260 e, após a incorporação das câmeras instaladas na ocasião dos Jogos Panamericanos, estima-se que haja uma média de 760 câmeras na Grande Rio. As 220 câmeras estão hoje instaladas em vias públicas e possuem visão de 360 graus, zoom de 22x e são monitoradas 24 horas por dia por 22 batalhões da Polícia Militar, segundo a área das câmeras. A Central de Comando e Controle, contudo, monitora todas as câmeras e, claro, todos os batalhões. É inquietante a precisão das imagens, que podem ver detalhadamente rostos, corpos e cenas nas ruas. Mais inquietante ainda é saber que esse monitoramento e essas imagens não estão sujeitos a nenhuma regulamentação.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Condição Inumana

Estou recebendo no PPGCOM da UFRJ o Professor Ollivier Dyens, da Universidade Concordia (Montréal, Canada). Dyens é autor do livro La Condition Inhumaine: essai sur l’effroi technologique (Flammarion, 2007), o qual será tema de sua conferência no PPGCOM. Paralelamente ao livro, Dyens criou um mapa do território pós-humano utilizando o Google Earth, disponibilizado no site The Inuman Continent. Além de pesquisador e professor, Dyens é artista digital e fundador dos projetos Metal and Flesh (1998-2003) e Continent X.
Abaixo, os dados da conferência:

Conferência do PROF. OLLIVIER DYENS (Université Concordia, MONTREAL)
Tema: "A Condição Inumana: pós-humanidade, realidade tecnológica e desaparição do humano"
Data: 07 de maio, quarta-feira, às 11hs10min
Local: AUDITÓRIO DA CPM DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ
Endereço:
Campus da Praia Vermelha/UFRJ - Av. Pasteur, 250/fundos. Urca - Rio de Janeiro

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Escutar com a visão e ver com a escuta




Sócrates, 1922. Brancusi

"Meu Sócrates quer mostrar que é preciso escutar com a visão e ver com a escuta" C. Brancusi
...
que ressoa Heráclito de Éfeso:
"O que prefiro é o que apreende a visão, a audição"