segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Do esquecimento e da liberdade II (adendo)

Complementando o post anterior, esqueci de enfatizar que se há um esquecimento numérico que merece regulamentação é aquele relativo aos dados de "segunda ordem", capturados a partir das informações, ações e comuicações que efetuamos, e que alimentam os bancos de dados, os perfis proativos e a fortuna dos inúmeros serviços e ambientes digitais que vivem dessa "personal information economy" (mecanismos de busca, redes sociais, entre outros). Tais dados de segunda ordem, que constituem, malgrado nosso desejo, um arquivo de nossos históricos e ações e que são classificados e utilizados para fins que desconhecemos ou não controlamos, estes sim devem estar destinados ao apagamento, o que já foi incorporado à política de privacidade de alguns serviços como o Google, mas que permanece em muitos casos ao gosto da empresa que os coleta e os arquiva.

domingo, 29 de novembro de 2009

Do esquecimento e da liberdade

Há pouco ocorreu um debate na SciencePo (Paris) acerca do direito ao esquecimento numérico, uma reivindicação legal por parte de senadores e apoiada pelo CNIL (La Commission Nationale de l'Informatique et des Libertés). O argumento central dessa reivindicação é o de que a profusão de dados pessoais nos ambientes da web 2.0 (redes sociais, blogs, microblogs, sites de compartilhamento de vídeo e imagem etc) não estariam sujeitos ao esquecimento 'natural', uma vez que a Internet teria uma memória perene, indelével, "eidética". Diferentemente da "natureza humana", que implica o esquecimento, a mudança, a contradição. O perigo da memória perene da rede, ainda segundo o argumento, seria o de condenar irremediavelmente as pessoas a este passado, que pode ser usado, em seu prejuízo, por futuros empregadores, empresas, serviços e mesmo outros indivíduos. A reivindicação é a de que os indivíduos tenham o direito jurídico de requerer o apagamento de seus dados pessoais em sites, blogs etc.

A medida insere-se no âmbito das tentativas de proteção à vida privada na Internet e clama pela liberdade e controle dos indivíduos sobre os dados que deixam na rede. Entretanto, não apenas o tiro pode sair pela culatra (dado que as medidas para fazer cumprir a lei podem ser mais ainda mais restritivas à liberdade do que a sua ausência), como há nessa reivindicação uma delicada discussão sobre a relação entre esquecimento e liberdade na rede.

Seguramente, pode-se afirmar (e Nietzsche dá a lição) que entre esquecimento e liberdade há uma relação de incitação recíproca; e essa relação está na base da possibilidade mesma do pensamento. Sem esquecer, não é possível pensar (vê-se o Funes de Borges), e sem pensamento não há liberdade. Contudo, no caso específico do direito ao esquecimento numérico, esta relação não é nada evidente, ao menos como ela está sendo proposta, em seus termos legais. Um dos problemas consiste no artigo 1 da proposta de lei, que deseja instituir uma espécie de pedagogia da livre expressão na rede, ensinando aos jovens os perigos da exposição de seus dados e os meios de proteger a sua privacidade. Certamente, é importante ensinar aos jovens a protegerem a sua privacidade, mas este ensinamento da lei do esquecimento numérico se insere no âmbito de uma pedagogia dos riscos de uso da Internet, articulada, inclusive, à lei Hadopi, que criminaliza o download de arquivos protegidos por direitos autorais, como bem aponta Manach.

"Le problème, c’est que cet enseignement serait calqué sur celui, introduit par la loi Hadopi, du “droit de la propriété intellectuelle, et les dangers du téléchargement et de la mise à disposition illicite d’oeuvres ou d’objets protégés par un droit d’auteur ou un droit voisin pour la création artistique"…
Je trouve ça très bien d’apprendre aux élèves à protéger leur vie privée -sauf que je préfère dire “défendre leurs libertés“, c’est plus constructif-, mais si ce sont les mêmes personnes qui vont expliquer aux élèves “surtout ne télécharger pas“, et qui vont ensuite leur expliquer “surtout ne montrer par vos fesses sur l’internet“, le message ne passera pas, et on va passer pour des vieux cons, tout simplement, et les jeunes, à 14 ans, ils vont le faire, évidemment, surtout si c’est lié à l’Hadopi !..."

O essencial, me parece, é que o controle dos indivíduos sobre seus dados pessoais e sua privacidade seja assegurado pelo direito à liberdade e ao anonimato na rede (o que é violado pela lei Hadopi). O respeito a esses dois princípios tornaria, creio, a questão do esquecimento secundária, ou menor, não justificando uma lei específica para tanto. Claro que isso não invalida a imensa e relevante discussão sobre as novas modalidades de arquivo e memória pessoal geradas no ciberespaço, voluntaria ou involuntariamente, bem como os tipos de controle e monitoramento a que esses dados estão sujeitos, muitas vezes à revelia dos indivíduos. Tais questões são fundamentais; o que não é claro nem evidente é o quanto a lei do esquecimento numérico é uma boa resposta a tais questões, ou uma via que amplia ainda mais a demonização da Internet como um lugar de altos riscos a serem controlados.
Abaixo, dois links de artigos, além dos que já foram mencionados acima:
http://www.rue89.com/explicateur/2009/11/11/le-droit-a-loubli-numerique-un-casse-tete-jurididique
http://www.lemonde.fr/technologies/article/2009/11/12/la-delicate-question-du-droit-a-l-oubli-sur-internet_1266457_651865.html

domingo, 22 de novembro de 2009

A partilha das imagens: arte, visualidade e filosofia com Marie-José Mondzain

A partilha das imagens: arte, visualidade e filosofia com Marie-José Mondzain

A Universidade Federal do Rio de Janeiro convida para um encontro com a filósofa francesa e historiadora da arte Marie-José Mondzain, através de duas conferências que serão realizadas nos dias 24 e 25 de novembro, entre 19:00 e 22:00h, na Central de Produção Multimídia (CPM) do campus da Praia Vermelha.


Marie-José Mondzain é diretora de pesquisa do CNRS (espécie de CNPq da França), membro do Conselho Científico do Collège International de Philosophie e diretora do grupo de pesquisas “Observatório das Imagens Contemporâneas”, onde colabora regularmente com realizadores de cinema, vídeo, diretores de teatro, artistas de circo e do campo da fotografia. Considerada um dos nomes mais respeitados dos estudos sobre a visualidade, Mondzain possui uma obra refinada, baseada em uma filosofia das imagens, que tem sido cada vez mais explorada pelos campos da arte, da filosofia e dos estudos de mídia. Passando por discussões que vão desde a iconofilia e a iconoclastia no império bizantino, aos recentes tratamentos das imagens pela mídia, pelo cinema e pelas novas tecnologias, o instigante trabalho de Marie-José Mondzain propõe identificar efeitos de continuidade e ruptura na administração das visibilidades, examinando suas diversas etapas desde a antigüidade até a atualidade.

As reflexões de Marie-José Mondzain tornaram-se fundamentais para todos aqueles que se propõem a pensar e debater o estatuto político e filosófico da imagem, do espectador e do espetáculo no mundo contemporâneo. Na primeira conferência Mondzain fará uma síntese de seu trabalho, esclarecendo os elementos principais que atravessam sua filosofia das imagens. Na segunda conferência, a filósofa fará uma discussão sobre arte, imagem e poder a partir de uma análise do filme “Das Stahltier” (O Animal), dirigido em 1936 por Willy Zielke, um dos fotógrafos mais conhecidos do cinema do expressionismo alemão e assistente de câmera de Leni Riefenstahl. Este raro filme de 71 min, dotado de uma sofisticada linguagem vanguardista, produzido na Alemanha nazista e proibido por Joseph Goebbels, será exibido antes da
conferência, às 18:00h.

Inscrições: artefissil@gmail.com

O encontro é gratuito e os certificados serão emitidos para aqueles que comparecem nas duas conferências.


Haverá tradução
nas duas conferências

Endereço

Av. Pasteur, 250 - fundos

Praia Vermelha - Rio de Janeiro / RJ


Realização

Escola de Belas Artes e Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais

(EBA/UFRJ)

Escola de Comunicação e Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura

(ECO/UFRJ)

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Filosofia

(IFCS/UFRJ)


Organização

Fernanda Bruno (ECO)

Tadeu Capistrano (EBA)

Frederico Carvalho (EBA)

Fernando Santoro (IFCS)

domingo, 8 de novembro de 2009

Santa Marta contra a vigilância policial (II)

Vale ressaltar que o manifesto e as reuniões de discussão da comunidade do Santa Marta sobre a a instalação das câmeras de vigilância no local (ver post anterior) são, que eu saiba, a primeira manifestação de resistência da sociedade civil carioca (e muito provavelmente brasileira) à videovigilância dos espaços públicos. Significativamente, essa manifestação é organizada pelos moradores de uma favela, onde certamente o sentido e a experiência das câmeras de vigilância nas ruas são bastante diferentes daqueles que habitam as ruas das zonas mais abastadas da cidade. No lugar de tomar as câmeras como evidência ou indício de segurança, a comunidade toma as câmeras como objeto de questionamento e faz as perguntas, fundamentais, sobre o desejo dessas câmeras (queremos ou não?) e sobre a que serve esse desejo (quem quer e por quê?). A classe média e as elites, por sua vez, ou ficam inertes ou, quando agem, demandam mais câmeras. A explicação mais imediata é simples: a clase média e as elites não se sentem vigiadas, uma vez que as câmeras estão aí para protegê-las contra a invasão e o "perigo" atribuído às populações pobres, estas sim vigiadas e, não por acaso, insubordinadas, mais capazes de inverter o foco da vigilância e da visibilidade, e colocar o estado e a polícia sob questão. Explicação um tanto óbvia mas verdadeira, ainda que esteja longe de esgotar o problema. Aspectos como o desenho estreitíssimo das ruas da comunidade, bem como da exposição dos interiores das casas aos olhos policiais também mobilizaram as discussões.
Adiciono ao post anterior as dicas generosas da paoleb e do Rodrigo Veleda: vídeos das reuniões no Santa Marta (abaixo) e matéria do Estadão sobre o assunto.